O que baladas de pop, shows sertanejos, pancadões de funk, festas universitárias e de
debutante,
formaturas,
arraiás juninos e a
Parada do Orgulho LGBT+ têm em comum, além de alegria, música,
drinques e euforia? Sim, elas, as dancinhas do TikTok, que saíram dos smartphones e hoje estão em toda parte, sobretudo nos eventos frequentados pelo público jovem
de 18 a 24 anos, que, não por coincidência, são também grandes consumidores da rede social do momento.
“As dancinhas ocuparam o mercado da música. Virou hit no
TikTok, elas vão estar em todos
os lugares”, diz a influenciadora digital
Julia Puzzuoli, 19, sobre o fenômeno, que, até alguns
meses atrás, estava mais restrito às telas dos celulares devido ao
isolamento social dos anos pandêmicos.
Ela lembra, inclusive, que durante a quarentena circulou o meme de como seria a balada após a pandemia, com um
vídeo em que vários jovens dançam sincronizados
ao som da música "Bipolar", de
Don Juan,
MC Davi e
MC Pedrinho – aquela assim: “Vai se tratar,
garota, sai da minha bota”, você já ouviu.
Não só as coreografias vieram para o mundo “real” – o das ruas e festas –, mas os famosos challenges, ou desafios, também. Há poucas
semanas, um post, que mostrava
uma turma de amigos apostando qual seria a quantidade de bocas que beijariam numa night, viralizou. A ganhadora sagrou-se com 72 bocas
beijadas.
Depois desse vídeo, outros tantos, nos mesmos moldes, surgiram, não sem antes receberem críticas, especialmente de pessoas mais velhas
condenando o comportamento juvenil. “Ai, essa juventude está perdida!”, comentaram alguns.
“Os mais velhos têm o papel social do conservadorismo. Cabe aos jovens a transgressão. Depois de dois anos trancados em casa, que bom
que os jovens estão beijando e dançando”, afirma
Michel Alcoforado, antropólogo, fundador do
Grupo Consumoteca e colunista
do UOL e da
CBN.
O especialista comenta ainda sobre a presença constante das redes sociais nas festas e o fato de que tudo o que ocorre dentro desse
microcosmo é filmado e, consequentemente, sai dali, é vazado.
“A identidade desses jovens foi construída dentro dessa lógica 3X4, ela é totalmente mediada pelo impacto digital. E, no digital, você
não tem direito ao esquecimento. O que é feito em Las Vegas deixou de ficar Las Vegas, agora, fica para todo o sempre na internet. As festas cobram dos
indivíduos uma dinâmica e uma performance atreladas a um contexto específico. Quando algo vaza, acaba sendo descontextualizado. Acredito
que os jovens já saibam lidar com isso, pois cresceram nesse mundo marcado por vazamentos, mas é óbvio que impacta de alguma forma. Você
fica preocupado se está sendo filmado e como aquela ação pode marcar sua identidade para todo o sempre.”
Baladas frequentadas pelos jovens de hoje são sinônimo de músicas do momento, dancinhas ensaiadas e redes sociais. Mas se você tem mais de
30 anos deve se lembrar que, na sua época, também era assim. Com exceção das mídias sociais, que ainda não haviam sido inventadas, as
turmas de adolescentes e jovens adultos sabiam de cor e salteado letra e coreografia de, por exemplo,
“Macarena”, do grupo Los del Rio,
“Onda Onda (Olha a Onda)”, da banda Tchakabum, e qualquer lançamento
do É o Tchan – “Vá descendo na boquinha da garrafa”, lembra?
Esses sucessos de outrora saíam das rádios e dos programas de tevê, meios por onde a juventude decorava cada letra e todos os passinhos.
A diferença, portanto, é que a TV deu lugar à telinha dos aparelhos celulares. Os jovens, eles continuam iguais.
Para a sexóloga Graça Margarete Tessarioli, mestre em
educação, especialista em direito homoafetivo e de gênero e diretora da Associação Brasileira dos Profissionais de Saúde, Educação e
Terapia Sexual, a ABRASEX, “onde há jovem, há também alegria, interação,
curtição e celebração”.
“O ser humano não vive só de trabalho e de pensar. Ele canta, dança, ri, joga, faz teatro e, acima de tudo, celebra. As festas, em todas
as suas diferentes modalidades, seus múltiplos significados e contextos, têm em comum a criação de um espaço fundamental para fortalecer
e promover as relações sociais. Como comemoração, a festa é a exaltação coletiva dos sentidos de liberdade da vida cotidiana, é a alegria
que contagia e se exterioriza em gestos.”
Mas as festas mudaram, ficaram mais intensas ou sempre foram assim e, agora, sabemos mais como elas são por conta da internet? “Na
realidade, hoje temos as redes sociais que, aliadas à curiosidade por novas descobertas durante a adolescência, encontram na internet um
espaço ilimitado em todas as direções e ao alcance de todos, sem fronteiras ou barreiras culturais, ampliando a liberdade de expressão dos
novos relacionamentos sociais durante o desenvolvimento da sexualidade, trazendo mais visibilidade ao que antes ficava restrito a um
espaço limitado de espectadores. Vale ressaltar que, em todas as épocas, as gerações de jovens foram criticadas. Geralmente, jovens não
são compreendidos pelos adultos”, responde Graça.
Desenrola, bate, joga de ladin
Voltando às festas e aos “xóvens” de 2022, a tiktoker Julia Puzzuoli conta que os momentos dançantes ocorrem naturalmente. “É uma forma
de expressão, você está na balada, todo mundo dança, você se conecta com as pessoas, é engraçado”, relata.
Profissional das dancinhas, Julia não tem grandes dificuldades para decorar a coreografia da vez. “Você consome tanto algumas danças na
internet que elas já ficam no subconsciente. Obviamente, há níveis de dificuldade, mas aquela viral mesmo costuma ser fácil e rápida, você
ouve a primeira batida e já sabe qual é e o que fazer.”
Alguns títulos, entretanto, são inteiramente conhecidos e agitam os jovens baladeiros do início ao fim. Os do momento, de acordo com Julia,
são “Desenrola, Bate, Joga de Ladin”, do grupo de funk
Os Hawaianos, em parceria com o rapper
L7nnon e os DJs
Biel do Furduncinho e
Bel da CDD, dançado nos últimos dias até pelo jogador português
Cristiano Ronaldo, e
“Bandido”, do cantor
Zé Felipe com a
MC Mari. Lançada no último dia 17, a música, que já
alcançou o top 1 do Spotify, tem a coreografia assinada pela esposa do artista, a influenciadora Virginia Fonseca, e, segundo ele, a “dança é fácil de pegar”.
Tanto no TikTok quanto no Instagram, o que viraliza das músicas e coreografias são trechos de 15 a 30 segundos, no máximo. Na balada,
durante o restante da música, apenas mexidinhas discretas dos pés e das mãos para ninguém ficar parado enquanto aguarda a parte famosa.
“O foco mesmo é no que viralizou, no refrão. Às vezes, você nem conhece a música toda”, fala.
A bailarina e professora Isa Zendron, da Boate Class, é baladeira e
costuma ir a bares com pistinhas e a festas do universo LGBTQIA+. Ela, que tem 34 anos, não tem uma turma de amigos tiktokers, mas na hora
das dancinhas muitos pedem dicas para os passos.
Nas aulas que dá, Isa costuma incrementar o bailado com movimentos criados por ela própria. “Se a música não tem um clipe oficial com a
coreografia e o que viraliza são aqueles 30 segundos, eu invento, dou uma misturada, até para variar o estilo. As danças do TikTok são
bem legais, mas elas costumam focar só o braço. Você fica meio congelado naquela imagem para a câmera, então, eu sempre tento fazer
movimentos diferentes para mexer o corpo todo, durante a música inteira.”
A Boate Class, conforme conta a professora, é bastante procurada por quem quer aprender movimentos específicos do TikTok para danças de
canções bombadas como “Vermelho”, de
Gloria Groove,
“Que Rabão”, de
Anitta, YG,
Papatinho,
Kevin o Chris e Mr. Catra, e
“Sentadona”, de
Luísa Sonza,
Davi Kneip,
MC Frog e
DJ Gabriel do Borel. “Costumo dizer que somos cringes, a
gente sofre para fazer as coreôs do TikTok.”
Produtores de eventos e DJs vivem ligados nas tendências musicais do TikTok, já que as dancinhas não podem mais faltar. Kaio César produz
a festa paulistana Euphoria, que rola em Pinheiros aos sábados,
e diz que todos os finais de semana, por uma hora e meia, geralmente das 2h às 3h30, uma das pistas da casa é dedicada às trends do
TikTok. Quando, porém, uma música bomba muito, ela toca também em outros momentos da noite.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com “Acorda, Pedrinho”, da
banda paranaense Jovem
Dionisio, que estourou no fim de maio. “Na época do hit, tocamos a música de hora em hora.” Ele relata que a mesma coisa aconteceu com
“Running Up that Hill”, da cantora britânica Kate Bush, canção de 1985 que chegou ao topo das paradas do Spotify, logo após aparecer na
nova temporada da série “Stranger Things”, da Netflix.
Eduardo Vaz é head de criação na empresa Gruppo, que organiza festas universitárias em São Paulo, como a
Lúcio, da ESPM (Escola Superior de
Propaganda e Marketing), e a Bota Fora, do direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Vaz conta que esses momentos começaram a
acontecer naturalmente. “Foi muito natural, com influenciadores do TikTok indo às festas, os DJs reconhecendo e chamando a galera para
dançar no palco.”
Hoje, os universitários sobem ao palco para apresentar as dancinhas durante a festa. “Às vezes, o momento TikTok fica atrelado a alguma
brincadeira do tipo: quem dançar melhor e receber mais gritos e aplausos, ganha uma bebida.”
O DJ LS toca em baladas voltadas ao público universitário e, além
de ficar antenado nos hits, decora todas as dancinhas. Nos shows que faz, além de controlar as carrapetas, ele dança ao lado de bailarinas.
Dos 45 minutos que suas apresentações costumam ter, 20 deles são dedicados aos sucessos do TikTok, que ele apresenta num remix ao seu
estilo, o rave funk.